No Fórum Social Mundial, Tribunal Internacional de Despejos denuncia casos de violação do direito à moradia
Evento popular integra atividades do Fórum Social Mundial e denuncia episódios de despejo forçado
O Fórum Social Mundial 2018 (FSM) acontece, este ano, em Salvador, entre os dias 13 e 17 de março, sob o lema “Resistir é criar. Resistir é transformar”, com o objetivo de debater e viabilizar alternativas ao neoliberalismo vigente e suas diversas agressões, através da troca de conhecimentos, de discussões, debates e workshops, que reúnem a diversidade de lutas no campo social. Como parte da programação do FSM, e seguindo a mesma lógica de resistência, este ano o Tribunal Internacional de Despejos (TID) concentra suas atividades nos dias 13 e 14 de março, na Faculdade de Arquitetura da Universidade Federal da Bahia (UFBA).
O Tribunal Internacional de Despejos foi concebido no FSM 2011, e é um evento popular e ético de opinião que pretende expor, discutir e promover soluções para despejos forçados que acontecem em todo o mundo. O Tribunal funciona com a participação de movimentos, organizações e entidades da sociedade civil a partir da denúncia de casos de despejo ou ameaça de remoção, que são selecionados para a apreciação de jurados nacionais e internacionais, reconhecidos pela sua atuação com a questão do direito à moradia nas esferas jurídica e social, como também por um júri popular composto por representantes de movimentos e organizações populares. Em seguida, os jurados devem propor encaminhamentos e recomendações sobre cada um dos casos analisados, com o objetivo de munir os movimentos com uma ferramenta para pressão e monitoramento de soluções pelo poder público.
"O Tribunal foi criado para ser uma ferramenta da Campanha Despejos Zero, de justiça e de solidariedade global com as lutas locais. O grande objetivo é analisar os casos de violações de direitos e, ao final, entregar evidências destas violações e recomendações aos setores responsáveis e aos movimentos populares, para que possam reivindicar soluções e monitorar ”, explica Cesare Ottolini, coordenador mundial da Aliança Internacional de Habitantes e co-fundador do Tribunal Internacional de Despejos. No Brasil, mais de 40 casos de despejos, realizados nos últimos 2 anos, foram inscritos por movimentos populares e sociais para a Sessão Brasil do Tribunal.
“O Fórum Social Mundial é um momento de convergência. Realizar o Tribunal Internacional de Despejos neste espaço é de suma importância, pois possibilita a denúncia sobre casos de violação do direito à moradia no Brasil para uma rede ampla de entidades, movimentos populares e organizações de diversos países do mundo”, afirma Bartíria Lima da Costa, presidente da Confederação Nacional de Moradores (CONAM), integrante da Aliança Internacional de Habitantes e membra do Comitê Organizador Nacional do TID.
Nesta sétima edição, o Tribunal Internacional de Despejos terá cinco casos brasileiros expostos. Em comum, todos eles representam comunidades vítimas de violência em relação ao território em que vivem. Como representante da Região Nordeste, a comunidade quilombola da Ilha de Mercês, do município de Ipojuca, em Pernambuco, traz seu caso de remoção forçada de um território ancestral, com destruição de patrimônio cultural, para abrir espaço para obras de infraestrutura pelo Governo do Estado. Mais de 2 mil pessoas perderam suas casas e mais da metade delas são mulheres e crianças. Já em Manaus, no Norte do Brasil, mais de 3 mil famílias da comunidade Cidade das Luzes sofreram graves violações de seus direitos fundamentais durante uma violenta reintegração de posse que resultou na morte de dois jovens e uma criança e no despejo de cerca de 12 mil pessoas em 2016.
Do Sudeste, duas situações serão debatidas: a comunidade pesqueira e vazanteira de Canabrava, em Minas Gerais, que reivindica seu lugar de moradia às margens do Rio São Francisco; e em São Bernardo do Campo, São Paulo, a ocupação Povo Sem Medo, com mais de 8 mil famílias, luta contra reintegração no terreno onde vivem. Um caso mais geral e que ocorre em diversos estados também será debatido no tribunal e refere-se à prática de perseguição, em nome do higienismo social, de populações em situação de rua.
“O que vemos hoje no Brasil é um enorme descaso do Governo, em todas as suas esferas, com esta questão urgente. Esse descaso se traduz principalmente na falta de execução e não cumprimento de leis existentes, como o Estatuto das Cidades, a lei da Função Social da Propriedade e a Regularização Fundiária, deixando milhões de pessoas desamparadas e sem acesso ao direito humano da moradia adequada”, afirma Bartíria.
“Um grande desafio que enfrentamos é a falta de dados e informações sobre comunidades e famílias em situações de despejo”, explica Ronaldo Coelho, Assessor Jurídico e de Incidência Política da Habitat para a Humanidade Brasil, organização que também integra o Comitê Organizador Nacional do TID e que desde 2016 vem fazendo um mapeamento de comunidades em risco de despejo no estado de Pernambuco. O objetivo é proporcionar dados concretos para incidir junto às autoridades públicas para que tomem providências para mediar e evitar conflitos urbanos de terra. “Hoje sabemos que o problema existe, mas ele não está evidenciado através de informações concretas uma vez que o próprio poder público não tem uma base de dados sobre estas situações”, conclui.
JURADOS
Após ouvir e debater acerca dos fatos apresentados, o grupo de jurados irá produzir um veredito com base nos direitos humanos que foram desrespeitados, em um relatório a ser amplamente difundido e com o objetivo de impactar e pressionar os governos a tomarem providências para amparar as famílias e as comunidades em situação de despejo. Sete representantes de diversas frentes irão integrar o júri. São eles Nívia Moraes, Promotora de Justiça do Ministério Público de Minas Gerais; Ângela Gordilho, docente da Pós-graduação em Arquitetura da UFBA; Cesare Ottolini, ativista italiano pelo direito a moradia e coordenador mundial da Aliança Internacional de Habitantes e co-fundador do Tribunal Internacional de Despejos; Charlene Egídio, coordenadora e moradora da ocupação Rosa Leão, de Minas Gerais; Lúcia Moraes, professora de Arquitetura da PUC-Goiás e Universidade Evangélica de Anápolis-Goiás; Luiza Veloso, defensora pública do Estado de São Paulo; e Rob Robinson, coordenador da Aliança Canadá-Estados Unidos de Habitantes.
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