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RECOMENDAÇÕES FINAIS quinta sessão do Tribunal Internacional de Despejos Fórum Social Popular Habitat III Quito, 17 de outubro de 2016

Procedimento

A Quinta Sessão do Tribunal Internacional de Despejos (TID), reunida com base no Fórum Social Popular Resistência Habitat III (Quito, Equador 17 de outubro de 2016).

Preparada, coordenada e realizada pelo Comitê Diretor Internacional TID com uma dinâmica participativa que envolveu organizações locais e redes internacionais através de:

  • Convocatória para casos lançada por ocasião das Jornadas Mundiais Zero Despejos 2015
  • Realização da Primeira Sessão do Tribunal Internacional de Despejos para o Leste da Ásia (Taipei, Taiwan, 2-4 de julho de 2016)

Analisou sete casos de Despejos representativos de situações de comunidades e pessoas dos cinco continentes.

Esta seleção foi feita dentro dos 88 casos recebidos de 35 países de todos os continentes, relacionados com o despejo de mais de 980.000 pessoas.

São eles:

A 15 de outubro de 2016, dada a gravidade das denúncias recebidas, o TID decidiu inaugurar sua Quinta Sessão ao visitar as comunidades de Guayaquil ameaçadas de desalojamento:

O TID enviou convites formais às autoridades e responsáveis pelos despejos denunciados; no entanto, todos recusaram a possibilidade de exercer seu direito a expor seus argumentos na Sessão. Portanto, o TID decidiu prosseguir com o julgamento in absentia.

Após a visita a Guayaquil e a Sessão em Quito, o Júri do TID emitiu dois vereditos provisórios, que fazem parte integrante destas recomendações finais.

O procedimento judicial foi conduzido com isonomia, baseando-se na regularidade da convocatória das partes, a precisão e fiabilidade das provas apresentadas, a adequação das estruturas usadas e a colaboração da Universidade Central do Equador onde foi celebrada a Quinta Sessão.

O único obstáculo à justiça do TID foi originado pela Intendência de Polícia de Guayas, jurisdição territorial competente para Guayaquil que, depois da destruição das instalações no Monte Sinai, onde foi aberta a Quinta Sessão do TID, queria proibir a abertura apesar da solicitação apresentada regularmente. Os esclarecimentos e a compostura dos organizadores e do público possibilitaram superar este obstáculo.

Denunciamos esta violação dos princípios do Direito Internacional referentes às atividades do TID e apelamos às organizações pertinentes, em particular os Relatores independentes da ONU sobre os Direitos Humanos, para intervir e fazê-los cumprir e que não voltem a acontecer estes ataques à justiça independente.

Descobertas de caráter geral

Entre os objetivos do Tribunal está analisar os casos apresentados à luz dos direitos humanos universalmente reconhecidos e que têm valor legal sendo ratificado pelos Estados, a fim de julgar o desempenho das autoridades nacionais e subnacionais em função das suas obrigações legais nacionais e internacionais. O comprometimento do direito à moradia geralmente implica simultaneamente a violação de muitos outros direitos, como a saúde, a educação, o direito ao trabalho; em suma, quando não se conta com um lugar digno e seguro onde viver, o direito a um nível de vida adequado se desvirtua completamente.

Da análise dos casos, que envolveram exposição de testemunhos e apresentação de documentos, podemos concluir que na totalidade dos casos não foram cumpridas as obrigações de respeito, proteção e promoção dos direitos humanos, em particular o direito ao habitat, das pessoas e comunidades; pode-se perceber com grande preocupação que os despejos forçados têm sido os instrumentos de políticas urbanas e habitacionais para garantir a primazia dos regimes de propriedade privada absoluta, ignorando sua função social e ecológica, a serviço do desenvolvimento dos ganhos econômicos e não dos direitos dos habitantes.

Estes despejos, longe de representar casos isolados, são fruto de um modelo de desenvolvimento das cidades e exploração dos territórios que prioriza o negócio imobiliário pelos direitos, e de autoridades que se mostram cúmplices desta situação.

Podemos concluir que em todos os casos apresentados foram verificados despejos forçados e outras violações dos direitos humanos, proibidas pelo Direito Internacional dos Direitos Humanos.

Por isso queremos alertar, como o fizeram oportunamente os relatores independentes das Nações Unidas sobre os direitos humanos, que muitas das graves violações aos direitos humanos são produto do modelo de desenvolvimento que a “Nova Agenda Urbana” de Habitat III procura consagrar.

VIOLAÇÕES AOS DIREITOS HUMANOS REGISTRADAS NOS CASOS DA QUINTA SESSÃO

Analisados os casos à luz das normas dos direitos humanos resultantes de distintos instrumentos internacionais reconhecidos globalmente, entre os quais destacam-se:

  • Declaração Universal dos Direitos Humanos (artigo 25.1);
  • Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (art. 11.1);
  • Convenção sobre os Direitos da Criança (art. 16.1, 27.3);
  • Convenção Internacional sobre a Proteção dos Trabalhadores Migrantes e suas Famílias (art. 43.1)
  • Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência (art. 2, 5.3, 9.1 (a), 19 (a), 22.1, 28.1, 28.2 (d));
  • Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher (art. 14. 2 (h));
  • Convenção sobre a Eliminação da Discriminação Racial (art. 5 (e) (iii));
  • Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos (art. 17);
  • Declaração dos Direitos dos Povos Indígenas (art. 10, 21.1, 23, 26, 27, 28, 32).

Além disso, para definir o alcance das obrigações que o reconhecimento do direito à moradia implica para os Estados, incluindo as autoridades locais, e em especial os deveres frente aos despejos, é preciso atender principalmente às Observações Gerais e demais interpretações que os órgãos das Nações Unidas fizeram sobre tal direito e principalmente o Comitê de Direitos Econômicos Sociais e Culturais que controla o cumprimento do Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais.

Ganham particular relevância:

  • As Observações Gerais 4, 7 e 20 do mencionado Comitê;
  • Os princípios básicos e diretrizes dos despejos e os deslocamentos gerados pelo desenvolvimento (princípios básicos a seguir) (A/HRC/ 4/18 5 de fevereiro de 2007);
  • A Declaração do Direito ao Desenvolvimento aprovada pela Assembleia da ONU em 1986;
  • Os Princípios da Restituição das Habitações e do Patrimônio dos Refugiados e Pessoas Desalojadas (Confr. Resolução 2005/21 de 11 de agosto de 2005), entre outros.

Como o grifado também pelas instâncias das Nações Unidas, as Observações Gerais Nº 4 e 7 do Comitê das Nações Unidas sobre os Direitos, que afirmam que qualquer forma de despejo forçado é incompatível com os requisitos do PIDESC, são interpretações autoritárias do PIDESC que têm valor jurídico predominante sobre outras legislações.

Assim, entre as violações constatadas foram observadas:

  1. Falta de informação adequada sobre as causas dos despejos e ausência de garantia de consulta adequada e de avaliação de alternativas aos despejos;
  2. Falta de ações de proteção adequada a grupos especialmente vulneráveis, que tiveram seus direitos humanos amplamente afetados, como o direito à saúde, à educação, à libertade e à proteção da integridade física, fortalecendo e reproduzindo desigualdades estruturais;
  3. No caso de despejos gerados pelo progresso, é preocupante a falta de consulta às populações afetadas e a falsificação desta participação;
  4. Violação das garantias de processos devidos; em particular se lhes foi negado recurso judicial efetivo e acesso à justiça e à defesa legal gratuita. Deste modo, à desigualdade estrutural soma-se uma desigualdade processual e judicial que os expõe à defesa ineficaz de seus direitos;
  5. Falta de alternativas habitacionais definitivas respeitosas de todos os direitos humanos, que geram a reprodução e piora da precariedade, expondo as famílias e comunidades a reiterados processos de despejos, deixando inclusive muitas famílias em situação de rua;
  6. Controle judicial da atuação das forças de segurança e inobservância de critérios sobre o uso da força respeitosa dos direitos humanos;
  7. Reiterou-se uma ausência ou negação à investigação das responsabilidades e sanções às violações aos direitos humanos produzidas na execução dos despejos, que em vários casos tiveram vítimas fatais;
  8. Criminalização do conflito habitacional e sobre as terras;
  9. Ausência de proteção adequada aos defensores de direitos humanos envolvidos nos processos, que em casos analisados sofreram execuções, perseguição penal, prisão ou intimidação mediante ações civis.
  10. No caso de ocupações ou assentamentos humanos, constatou-se um grave padrão de violações aos direitos humanos, que consiste em: a) deter seu crescimento por meio de política repressiva; b) desencorajar a vida nos locais, mediante a privação de serviços essenciais, como a água potável, para finalmente desalojá-los por ação ou omissão;
  11. Profunda contradição resultante de despejos em terras públicas: os mesmos Estados que devem garantir os direitos os violam diretamente, e inclusive as garantias são menores que nos despejos de terras privadas;
  12. A falta de reconhecimento das comunidades ancestrais e sua relação com o território, que gera uma obrigação agravada de garantir a permanência nas terras ancestrais e a proibição de reassentamento.

Em todos os casos analisados, os despejos tiveram um impacto especialmente grave nas crianças, mulheres, idosos e outros grupos especialmente necessitados de uma maior proteção, reproduzindo e fortalecendo processos de violência e desigualdade.

Essas violações foram destacadas também pelas solicitações de esclarecimento e pelas recomendações formuladas pelo Comitê de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais em razão do exame periódico do PIDESC e pelaRelatora Especial das Nações Unidas sobre a moradia adequada como componente do direito a um nível de vida adequado.

Recomenda çõ es gera i s

O Tribunal confirma as Recomendações formuladas em suas sessões em 2011[1] , 2012[2] , 2013[3]  e 2014[4] , que continuam atuais.

Estes princípios levam o Tribunal a emitir as seguintes Recomendações em relação aos casos examinados em sua 5ª Sessão de 2016:

  1. Uma moratória global dos despejos durante o tempo necessário para analisar, debater, decidir e executar as políticas habitacionais e fundiárias que respeitem o direito à moradia, à terra e todos os direitos humanos;
  2. Reconhecer a necessidade de um sistema para observar, recontar e controlar os casos de despejos em nível mundial, com o objetivo de velar para que os Estados, suas articulações territoriais e todos os agentes econômicos e sociais envolvidos não incitem, não estimulem nem tolerem os edespejos forçados incentiva as organizações internacionais e supranacionais, especialmente as Nações Unidas, a União Europeia, a União Africana, a Aliança Bolivariana para os Povos da Nossa América, a criar “Observatórios” e “forças-tarefa multiatoriais” implicando todas as partes interessadas, para propor e implementar as medidas necessárias, corrigindo esta deficiência que nem a ONU-Habitat, tampouco a Conferência Hábitat III, conseguiram resolver;
  3. Retomar o diálogo entre as organizações das Nações Unidas e a sociedade civil sobre os despejos e a identificação das formas como esta violação dos direitos humanos pode ser resolvida, ampliando e persistindo no trabalho realizado pela Relatora Especial das Nações Unidas sobre o direito à moradia;
  4. Cumprimento as obrigações de direitos humanos contraídas pelos Estados responsáveis, proteção e promoção do direito à moradia, à terra, ao habitat das pessoas e comunidades; as obrigações não se limitam aos agentes públicos, compreendendo o restante dos agentes que intervêm nas cidades e nos territórios (desenvolvedores imobiliários, atores do mercado, devendo);
  5. Aprofundar a democracia na tomada de decisões sobre a gestão e planificação do habitat, que reconheça a função social e ecológica do território;
  6. Exortar os Estados e a ONU a proteger de forma urgente e adequada os defensores dos direitos humanos envolvidos nos processos de despejo, que em caso de haver sofrido execuções, perseguição penal, prisão ou perseguição mediante ações civis, devem ser considerados colaboradores dos poderes públicos, não como criminais;
  7. Ressaltar o papel essencial realizado pelas organizações e pelas redes de habitantes, salientar a necessidade da solidaridade e da convergência de ações em nível nacional e internacional.

Disposição

O Tribunal convida todas as partes interessadas, especialmente os Estados onde foram divulgadas as violações julgadas nesta 5ª Sessão, a aplicar imediatamente essas Recomendações e enviar dois informes sobre sua aplicação, antes de 30/04/2017 e de 30/09/2017, a fim de proporcionar os elementos necessários para o acompanhamento das jurisdições pertinentes.

Com este fim, o Tribunal se compromete, junto às organizações que apresentaram os casos de que se trata e à Relatora Especial das Nações Unidas sobre o Direito à moradia, para inspecionar o acompanhamento por parte das instituições antes mencionadas e organizar para cada caso uma iniciativa por ocasião da apresentação do Informe Anual sobre as Recomendações durante as Jornadas Mundiais

[1]  Recomendações do Tribunal Internacional de Despejos – Primeira Sessão, (Genebra, Suíça, 30 de setembro a 2 de outubro de 2011)

[2]  Recomendações do Tribunal Internacional de Despejos – Segunda Sessão (Genebra, Suíça, 27 a 29 de setembro de 2012)

[3]  Recomendações do Tribunal Internacional de Despejos – Terceira Sessão (Genebra, Suíça, 18 de outubro de 2013)

[4]  Recomendações do Tribunal Internacional dos Despejos 2014 - Quarta Sessão (Milão, Itália, 9 de outubro de 2014)

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